"O gago peca pelo exagero... de sílabas!" AUTOR DESCONHECIDO
Eu sou gago. Não muito gago. Posso conversar
com um desconhecido sem levantar suspeitas. Só que de vez em quando posso dar
uma derrapadinha na curva, e alguém vai me apontar e dizer “gago filho da
puta”.
Tem gente que pensa que gago é tudo igual, que
gago é gago e pronto. O cu deles.
Gago é um tipo classificado, único,
referência. Ninguém lembra do Knoeller, mas do gaguinho todo mundo tá lembrado.
Gago que é gago tem carteirinha do sindicato
dos gagos. Todo ano a gente elege um presidente gago, numa votação sempre limpa
e democrática, e sem boca de urna, pois até o gago soprar o nome do seu
favorito a escolha já acabou.
Assim como ex-viado, não existe o ex-gago. O
cara pode fazer fono, psicólogo, otorrino, o caralho a quatro, mas nem que seja
uma vez por mês ele vai dar uma repetida silabial. É tipo uma recaída, um
vício.
Os gagos podem ser divididos em 4 classes: o
pouco gago (chamado de Gaguinho), o gago (chamado de Gago), o gago pra caralho (chamado
de Que Porra é essa?) e o David Brasil (chamado de Gago Viado da TV).
Puta merda, que gagueira estranha da porra é essa
do David Brasil??
Enfim. Abraço pro David Brasil.
Essa gagueira do David é chamada de gagueira
clônica, que é quando a sílaba é arrastada. Tuuuuuuuuuuuuuuuuuudo
bem?
Tem também a gagueira tônica, que é aquela em
que o gago repete a sílaba. Tu-tu-tu-tu-tudo
bem?
Eu era clônico-tônico. Tuuuuuuuuu-tu-tu-tu-tuuuuudo bem? Ri por que não foi contigo.
Aprendi a reconhecer os tipos de gagueira
depois que comprei, em uma banca-sebo no centro de Santos – não me perguntem o
que eu estava fazendo lá - um livro chamado: “Gagueira, sintomatologia e
tratamento.”
O livro explica o que é a gagueira e mostra
alguns exercícios, bem interessantes. Vamos a eles:
1. Respira,
respira –
Sempre que um gago gagueja, vem um espertinho metido a fonoaudiólogo e diz
“Respira”. Uau, como eu não pensei nisso
antes?
- Quem disse que eu não tô respirando ô seu
idiota?? Se eu não respiro, eu morro!
Até me inscrevi numa aulas de relaxamento e
respiração, mas como lá ninguém conversa, não pude testar o resultado de
imediato.
2. Repita as
palavras “Eu não sou gago”- Consiste em repetir em frente ao espelho “eu não sou gago, eu não
sou gago” E lá ia eu pra frente do espelho de manhã.
- Eu não sou gago, eu não sou gago, eu não
sou gago - e saía de casa. Milagre.
Não estava mais gaguejando. Até que encontrei
um conhecido e resolvi desejar um bom dia.
Não desisti. Antes de dormir, repetia as
mesmas palavras depois de escovar os dentes. Aí sim. Sem gaguejar nem uma
palavra. No sonho.
Sonhava que falava na televisão. Cheguei a
sonhar que era o Galvão Bueno. Narrava a Fórmula 1, o Brasileirão e os jogos da
Seleção. Também fazia umas baladas com o Casagrande porque ninguém é de ferro.
Certa vez estava eu narrando a final da Copa
do Mundo. Brasil e Alemanha. Emocionante. Quando o juiz apitou eu soltei o
grito.
-
Acabooouuuu! Acaboooouuuu!
-
Então vamos buscar mais! – dizia o Casagrande, trincado – Agora
vamos até o Hepta!
3. Quem canta sua
gagueira espanta - Outro exercício comum e conhecido é falar cantando. Essa é
deprimente. Já viu alguém que fala cantando?
“Por favor seu padeiro eu quero dois pães
moreninhos”. Não dá! O constrangimento da gagueira é menor que o
constrangimento de desafinar.
4. Move It - Uma outra
legal é o movimento corporal enquanto fala. Se for falar sobre futebol chute o
ar. Se for falar de Boxe soque o ar. Se o assunto for sexo escreva um bilhete.
5. Montando a
frase –
Essa é didática e maravilhosa. Consiste em pensar, decorar, para só depois
falar. O foda é que até o gago pensar, decorar e falar, o assunto já mudou!
Uma vez, falando sobre futebol com um amigo, fui
me gabar de um gol que eu tinha marcado. Pensei, decorei, respirei e disse:
- Entrei com bola e tudo.
Mas o assunto já tinha mudado pra irmã do meu
amigo. Hoje em dia ele não é mais meu amigo.
Eu não lembro como e nem quando eu virei
gago. Dizem que a pessoa começa a gaguejar quando toma um susto, apanha em
casa, convive com outro gago ou faz troca-troca.
Só lembro que um dia eu estava em casa no meu
quarto com um amigo meu que era gago, fazendo troca-troca. Minha mãe abriu a
porta e eu tomei um puta susto, e apanhei de cinta a tarde toda. Dali pra frente
eu nunca mais fui o mesmo.
Com 10 anos eu já era o “Gaguinho “da turma,
e com 13 já era o “Que Porra é Essa?. Se com 15 eu fizesse outro troca-troca eu
já seria o David Brasil.
Um dia eu pedi pro meu pai me colocar numa
escola pra gago. Ele foi incisivo: “Pra quê, você já quer dar aula”? Tem razão pai, sou muito novo ainda.
Eu sofria preconceitos, ganhava apelidos. Gago,
gaguinho, gaguêra, passa ou repassa. Passa ou repassa é foda, né? Até hoje rola
um bullying. Quando vou na casa de um amigo e tá passando O Discurso do Rei,
vou embora na hora.
O preconceito as vezes fica escondido na
cabeça das pessoas, elas nem percebem que têm preconceito. Outro dia me perdi
em São Paulo, perguntei pra um taxista:
-
Qual o no-no-nome dessa rua?
-
É a Cunha ... Gago”.
Taxista filho da puta.
Tem pessoas que o sobrenome é Gago. Outro dia
conheci um rapaz que se apresentou:
-
Prazer, Rafael Gago.
-
Prazer, Rodrigo Idem.
Tem coisas que o gago odeia. Uma delas é
completar a frase. Vai na pizzaria chama o garçom:
-
Ei amigo, vê pra mim uma pizza de Ca-ca-ca...
-
Calabreza?
-
Não, Caipira. Vê com uma co-co-co...
-
Coca Cola?
-
Cobertura de Cheddar!
Me deixa acabar
de formar a frase. Vai no banheiro e volta.
Outra coisa que gago odeia e quando alguém
lembra que ele é gago. Assim como o gago “não gagueja” quando canta ou quando
pensa na frase antes de falar, ele também não gagueja quando esquece de que é
gago. E não é você que tem que lembrar.
Numa festa da faculdade, perguntei pra uma
menina:
-
Que ho-ho-ho-horas ssssssão?
-
Nossssssssaaaaaa!! Você é gagoooo?
-
Não sua puta, sou um DJ Oral! Po-po-po-posso te pagar uma bebida?
Acho que um gago podia cantar funk sem
problemas. Aliás na música do Créu (se alguém ainda lembrar dessa merda) tenho
certeza que puseram um gago pra cantar. Na verdade foi mais de um.
No nível 3 foi um gago, no nível 4 foi outro
gago. No nível 5 são os 2 gagos cantando juntos. Aquilo não é um refrão, é uma
suruba linguística.
E no nível um, claro, foi o David Brasil.
-
Créééééééééééuuu!