Moro onde você passa
as férias.
Nasci em Guarujá, cidade do litoral sul do estado de São
Paulo. Era noite de 12 de maio – quase 13 - de 1983, época em que a cidade
ainda era chamada de “A Pérola do Atlântico”. Como reluzia essa pérola, que
virou bijuteria e ninguém me avisou.
Por tempos a cidade ostentou as mesmas características da
jóia que mora no coração de um bivalve: era bela, valiosa e muito difícil de
encontrar. Suas praias excitavam, seus marajás ouro gastavam e a viagem até o
Guarujá durava longos e ansiosos dias. Malditos
imigrantes.
O transporte naquela época era o bonde, que quebrava muitas
vezes. Quem dera que esse fosse o único “bonde” que o guarujaense tivesse que um
dia aguentar.
Apesar da recente melhoria do acesso na última década,
Guarujá continuou sendo bela e valiosa. É aí que mora o perigo. Dirigir uma
cidade bela é massagem no ego do status, agora dirigir uma cidade rica é a
massagem no ego do poder. Quanto mais dinheiro, mais poder. Quanto mais poder,
melhor! Whisky e bocetas, yeah! Estou no
Paraíso, Padre Domênico?
Guarujá ganhou rotina, e sua prefeitura também. O povo é a
cria da administração que tem. O “jeitinho brasileiro” fica no chinelo perto do
“jeitinho guarujaense”. Com o perdão da rima, confesso que esse jeitinho um dia
me pegou também.
Seja um lixo mas cheire a luxo. Pareça o que não é, perca a
identidade e entre para o clube. Se o clube ficou pequeno pra você, entre num
clube maior. Quanto maior o clube, mais gente nele cabe. Quanto mais gente,
mais fácil pra peidar e jogar a culpa em alguém, né? Um peidinho atrás do
outro, já sabem no que vai dar.
É quando surge nosso primeiro personagem, que chamo de Bonitinho. Com o status quo de
importante, o Bonitinho acha que conhece a cidade inteira, que é querido por
todos e que o mundo está aos seus pés. Muitos deles se candidatam a vereador, e
um ou outro acaba chegando lá. Mas a maioria só barganha cargos, promessas e
ilusões e, claro, sem tirar os pés de cima do mundo. Bonitinho até morrer.
O Zé-Povinho é um
sujeito esperto e muito vil, viu? Mas traiçoeiro. Sorrisos e tapinha nas costas
é com ele mesmo! Mas a mão que dá o tapa é a mão que aponta o dedo. O
Zé-Povinho a tudo ouve, de tudo sabe, e tudo conta a quem tudo lhe oferece. Ou
não, sai contando à esmo mesmo.
O Zé-Povinho é uma espécie avessa ao sucesso e a felicidade
alheia. É invejoso e distribui energia negativa gratuita, não porque ele
queira, mas porque ele é o Zé-Povinho. Não sei como e não sei por que, só sei
que é assim.
O Bonitinho e o Zé-Povinho ainda gozam de prestígio social e
político, coisa que o Guarujento
nunca teve (até este momento). O Guarujento é o pobre metido a besta. É porco,
mal educado, ignorante, mora, vive, come e fala mal, fede mas cheira a jasmin.
Seu poder de reprodução espanta o mais fértil dos coelhos.
Sonha em se tornar Bonitinho, e pra isso não se importa em
virar o Zé-Povinho antes. Aos poucos vai galgando posições mais elevadas,
muitos deles se tornam vereadores e concentram poder em suas mãos por algum (ou
muito) tempo. É como dar um pote de fezes a um primata e apontar o ventilador.
Vai dar merda! Já deu...
Ah, ia me esquecendo. Tem também o Trouxa, que é aquele que acredita que as coisas vão melhorar, então
faz sua parte e age pelo certo, da maneira que pode, é claro. A cada geração
que passa, a quantidade de Trouxas diminui. Portanto seu peidinho é quase
imperceptível.
Hoje, o “Artesanato do Atlântico” pode ser considerado um sucessivo
acúmulo de flatulências.
Suas ruas têm mais buraco que a bunda da Rita Cadillac, e
olha que esse bunda vira e mexe é recauchutada. As ruas também.
As escolas são um nojo. Os casos de traficantes, marginais e
outros tipos de escória que já dominaram as instituições públicas de ensino me
deixam com medo de ter filho inteligente. Vai saltar de para-quédas, mas não
vai pra escola. Prefiro filho burro do que filho morto. Ah Rodrigo, não exagera, vai?
No Guarujá até o professor Girafales ia tomar um apavoro de
um aluno armado em sala de aula.
- Tá tirando, Mestre Linguiça? Perdeu, passa o buquê.
A saúde vai bem. Numa cidade que tem 2 prefeituras e 1
hospital, existe um Pronto-Socorro que faz juz ao nome, socorro! É o PAM
(Prefiro A Morte). Parabéns à prefeitura que vai ganhar dinheiro com o PAM,
locação da próxima temporada de Walking Dead e os zumbis já estão até por lá.
Tomara que a produção tenha um kit de primeiros socorros.
A violência é um caso a parte. Da parte da manhã até a parte
da noite. Guarujá já lidera o ranking de roubos no Estado. Duvida?
Assaltos, sequestros, estupros, assassinatos, novas casas de
forró e bailes funk. Prolifera todo tipo de maldade. O ser humano não vale nada
e o seu ouvido também não.
A cultura é......... ãh... cultura?
É um município que convive com o crescimento. Cresce o
crime, cresce a miséria, cresce o trânsito, cresce o medo e cresce a pena. Pena
por ver o Guarujá deixar de ser tudo que um dia se propôs a ser.
A culpa é de quem? Do peido que foi dado antes. A velha
história do clube.
Ou talvez a culpa pertença ao Bonitinho, ao Zé-Povinho ou ao
Guarujento. Quem sabe aos três.
E amanhã já nasce um novo salvador, aquele que pode dar um
peido mais cheiroso que os anteriores. O próximo nome pode ser o certo. Pode
ser o seu.
Juventino, José, Ciro, Oscar, Gustavo, Hernane, Paulo,
Eduardo, Renata, Alexandre, Gaspar, Hermínio, Álvaro, Abílio, João, Domingos,
Jayme, Raphael, Maurici, Waldyr, Ruy, Farid, Maria Antonieta. Quem será o
próximo peidorreiro?
Aposto que ao lado dele vão estar os mesmos de sempre. Um
Zé-Povinho me contou.
Eu tô te falando!
Guarujá é uma ilha no duplo sentido da palavra: tá descolada do continente e também da realidade.
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