quinta-feira, 13 de março de 2014

Amor, cadê o carro?





                   Madrugada quente. Ele chega à rua não sei bem a que horas, provavelmente na garupa de alguma moto. O olhar atento observa as janelas apagadas, o som é só o da moto desligada sendo empurrada apressada rua abaixo.
                 
                   Na cabeça, efeitos leves do álcool que havia a pouco sido ingerido na intenção de aliviar o calor. O coração batia forte e acelerado, embalado por doses de adrenalina que ainda deixava pequenos resquícios em sua narina, ou no seu cachimbo. Não se pode ter certeza do que era mas estou certo de que ele queria mais.   
                   
                   Percebeu que poucas eram as opções naquela hora e naquele lugar, até que viu o nosso carro. Parecia fácil, o modelo é antigo e farto em peças fáceis de comercializar. Não foi difícil abrir a porta, afinal ele já estava bem acostumado a fazer serviços como esse, o que era bom porque o tempo era curto. 
                  
                  Olhou pro horizonte rua abaixo e se deparou com nada. Talvez um gato.
                  
                  Horizonte acima nada parecia chamar a atenção dos Guardas Municipais, confortáveis dentro de sua cabine, com a TV ligada no Jornal da Globo ou talvez no Corujão, afinal como já contei, não sei bem que horas eram.
                  
                  Dentro do carro entrou ligeiro, enquanto seu parceiro na moto já o observava da esquina. Olhou pro banco de trás e sorriu, ganhara um agasalho novo. Com aquele puta calor pensou que não o usaria mesmo. Pensou pra quem vender ou com quem trocar. Sorriu de novo. Mexeu em pastas e papéis e não entendeu nada. Viu um vasilhame vazio de Coca-Cola retornável no assoalho e ficou com sede. Muita sede. O que não daria por uma cerveja?
                  
                  Fez a ligação e saiu acelerado, certo do destino. Tentou ligar o som mas ele não funcionava. Só ela sabia fazer aquela desgraça pegar. Se fudeu! Não teve outra alternativa senão ligar o som do celular. MC alguma coisa.
                  
                  Foi longe, bem longe! Nem imagino porque escolheu a nossa rua. Quer dizer, quem disse que a rua é nossa? Pelo visto não é não. E lá vai ele sentido Jardim Mirna. Sabe onde fica? Procura no Google Maps e surpreenda-se.
                  
                  Encontra algum beco escuro e solitário, em decorrência dos goles de cerveja esbarra em algum muro, poste, mureta, em outro carro, sei lá. Só sei que pela foto vejo batidas e arranhões que não fomos nós que fizemos.
                  
                  Rápido ele age. Talvez acompanhado pelo seu comparsa da moto. Talvez com mais 3 ou 4. Talvez.
                  
                  Pegou uma cerveja e deu um gole, acendeu um cigarro, reclamou que o som não funcionava, tirou as rodas, a bateria, pegou meu agasalho, contou uma piada, tomou outro gole. Espalhou os papéis pelo banco e os banhou em gasolina. O cigarro está no fim. Cheiro forte de gasolina e noite estrelada. Já devem ser lá pelas 4 ou 5 da manhã. Atirou a bituca e viu o clarão. O fogo sobe e consome o banco que tanto me aliviava o cansaço no final de cada dia. E lá o abandonou.
                  
                  Escondeu as rodas, afinal ia ser bem complicado encontrar um comprador numa hora daquelas. Pra finalizar a noite, só o agasalho já renderia o suficiente. Foi fácil trocar por mais 2 pedras ou 3 pinos. Aproveita o quanto pode, pois sabe que possivelmente não lhe resta muito tempo de vida vivendo desse jeito. O dia dá sinais e ele desaparece quando o relógio marca 7.
                  
                 O despertador toca. Desperto levemente, mas logo pego no sono. Sinto o cheiro do perfume dela e o beijo que me deu no rosto saindo pra trabalhar. Adormeço.
                  
                 Acordo logo depois, definitivamente pra não dormir mais, quando ouço: “Amor, cadê o carro?”.
                  
                 A partir daí quem narra é a burocracia e o despreparo policial. Mas isso já é outra história, tão triste quanto a que acabou de ler. Mas somos fortes, e nossa carcaça não se queima facilmente. Nosso Deus nunca nos abandona, e o que nos aguarda é grande e farto. Seguimos em frente, mas por enquanto vamos de ônibus. 

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